segunda-feira, 27 de abril de 2009

São muitas numa só

by Nick Thornton Jones




Não sei bem o que dizer sobre mim. Não me sinto uma mulher como as outras. Por exemplo, odeio falar sobre crianças, empregadas e liquidações. Tenho vontade de cometer haraquiri quando me convidam para um chá de fraldas e sinto-me esquisita quando uso um lencinho amarrado no pescoço. Mas segui todos os mandamentos de uma boa menina: brinquei com bonecas, tive medo do escuro e fiquei nervosa com o primeiro beijo. Quem me vê caminhando na rua, de salto alto e delineador, jura que sou tão feminina quanto as outras: ninguém desconfia do meu anti socialismo interno. Adoro massas cinzentas, detesto cor-de-rosa. Penso como um homem, mas sinto como mulher. Não me considero vítima de nada. Sou autoritária, teimosa, impulsiva e um verdadeiro desastre na cozinha. Peça para eu fazer uma cama e estrague o meu dia. Vida doméstica é para os gatos. Tenho um cérebro masculino, como lhe disse, mas isso não interfere na minha sexualidade, que é bem ortodoxa. Já o coração sempre foi gelatinoso, deixa-me com as pernas frouxas diante de qualquer um que me convide para um chope. Faz-me dizer tudo ao contrário do que penso: nessas horas não sei onde vão parar minhas idéias viris. Afino a voz, uso cinta-liga, faço strip-tease. Basta segurar-me pela nuca e eu derreto, viro pão com manteiga, sirva-se. Sou tantas que mal me consigo distinguir. Sou estrategista, batalhadora, porém traída pela comoção. Num piscar de olhos fico terna, delicada. Acho que sou promíscua.

São muitas mulheres numa só, e alguns homens também.

Martha Medeiros

Carolina

1 comentário:

Anónimo disse...

muito bom :O

gostei! *