domingo, 7 de fevereiro de 2010

Noite

Acordei num sofá azul, áspero e molhado. A minha mão colava-se aos cabelos, pegajoso e .. quente. Estava escuro, mas a luz que vinha debaixo das portas era suficiente, e deixava ver as migalhas no chão. Não consegui mexer nada excepto a mão que já tocava o chão arranhado.

...

Quando abri os olhos já a luz tinha invadido o espaço. O ar estava espesso, pesado. Virei-me de onde outrora tinha estado, sentia, há demasiado tempo. Estilhaços, roupa, batatas fritas, latas de cerveja, garrafas de vodka, pedaços de pão e tabletes de chocolate já a meio. Este foi o cenário que veio até mim. Levantei-me. Procurei a outra meia e um casaco limpo. Decidi que não valia a pena, era humanamente impossível concentrar-me numa tarefa naquele momento.
Estavas sentado no canto entre o sofá e a parede, de tronco nu, estavas de peito vermelho sujo, de cara pálida, a agarrar um isqueiro. Ela estava deitada no chão, metade debaixo da mesa, metade tapada por uma toalha de banho. Tinha o top rasgado, as calças molhadas, os pés em lama. Ao fundo, outros, vestidos mas desajeitados, com os cantos dos lábios sujos e brilhantes, com os olhos semi fechados, sem expressão.

Cheirava a calor, a àgua parada, a comida fria. Estava tudo longe.

Abri a porta. O sol incomodou como o vento, sentei-me ali mesmo. Peguei num cinzeiro que estava perto, afastei as cinzas com as pontas dos dedos, vi-me nele.
E não me preocupei.
Pretos, cheirei-os. Mistura de tabaco, gin e latex, aquele cheiro de noite eterna. Descalça, voltei a entrar. Olhei e vi-te no sofá onde já estivera, enrolado em ti mesmo, a respirar lentamente. Fria, peguei no que restava de mim. Ficámos ali, a rir sem mostrar, da noite que não tivemos.

Carolina

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